Entrevista: avaliação da aprendizagem

O professor Vasco P. Moretto concedeu uma entrevista à jornalista Patrícia Melo (Futuro Eventos) sobre a avaliação da aprendizagem. Confira a seguir as suas considerações sobre a importância da avaliação e seu potencial transformador, a depender do modo como é utilizada nas instituições de ensino. Entenda também a diferença dessas avaliações em relação aos exames escolares.

  1. Qual o significado de uma avaliação aplicada como ferramenta para a construção de uma escola de qualidade e de que forma os resultados da avaliação podem ser usados como indicadores para novos rumos dentro da instituição? 

Inicialmente precisamos pensar no que pode significar a expressão escola de qualidade. O processo da avaliação da aprendizagem deverá ser coerente com o modelo escolhido pela escola. Esse modelo tem seu rumo definido na missão expressa no Projeto Político Pedagógico. Se nele se estabelece como qualidade da escola o fazer dos alunos apenas acumuladores de informações, o processo da avaliação da aprendizagem será voltado para verificar se os alunos são capazes de mostrar que eles as têm perfeitamente de cor e disponíveis para responder questões de provas. Por outro lado, se a missão da escola for formar cidadãos competentes por meio da aprendizagem significativa de conteúdos relevantes, então o foco do processo da aprendizagem deve ser outro, ou seja, voltado para estratégias de ensino que favoreçam a compreensão, a assimilação e a apropriação significativa de novos conhecimentos. No primeiro caso o aluno certamente não poderia consultar durante as provas e nem usar calculadora nas provas de matemática, uma vez que, segundo o modelo, deve saber tudo de cor. Justifica-se que nos vestibulares não poderá consultar e nem usar calculadora. Contudo, para o segundo modelo de escola, o que importa é a capacidade do aluno de aprender significativamente. E isso implica na capacidade de estabelecer relações num universo simbólico para resolver situações complexas. Neste caso a avaliação também terá outro foco, podendo o aluno consultar durante o processo da avaliação da aprendizagem e usar a calculadora, pois o objetivo da avaliação é oportunizar momentos de aprendizagem eficiente e eficaz.

  1. O que dizer do papel da avaliação quando escolas e educadores a utilizam como um instrumento de classificação, seleção e até de exclusão? 

É outro modelo de escola, com foco no produto e não no processo da aprendizagem. Neste caso, a qualidade da escola é medida pela quantidade de informações acumuladas que promove nos alunos e pela utilização correta que eles fazem nos processos de avaliação. As notas obtidas pelos alunos são o indicador da qualidade da aprendizagem. Uma vez que os alunos deverão demonstrar capacidades de obter, guardar e utilizar informações, eles serão classificados de acordo com seu rendimento neste parâmetro. Os ótimos e bons serão elogiados e premiados, os medianos serão incentivados a melhorar as notas e os de baixo rendimento serão colocados em recuperação quando não excluídos da escola. No meu entender, este é um modelo cruel de educação em contexto escolar, pois desrespeita os que mais precisam de apoio. É uma triste forma de exclusão não declarada. No entanto, se defendem os que adotam esse modelo argumentando que: “nossa sociedade é assim mesmo; vivemos numa sociedade competitiva e quem vence são os melhores”. O que isso significa em termos de desrespeito às individualidades, às características de personalidade de cada aluno, às suas preferências e tendências, pouco importa. Para todos são feitas as mesmas questões, e todos devem dar as mesmas respostas, pois o que importa é o resultado, o produto, ficando em segundo ou terceiro plano o processo da aprendizagem e a preocupação com as múltiplas potencialidades dos alunos. Esse é um modelo de escola. E há quem opte por ele.

  1. Até quando a avaliação será um grande desafio para alunos, pais, professores e instituições? Por quê? 

No meu entendimento a avaliação continuará a ser um grande desafio até o momento em que se decidir mudar o modelo de escola. Ou seja, até o momento em que o foco da atividade pedagógica for a construção interativa do conhecimento em busca da aprendizagem significativa. No momento em que o modelo de escola estiver focado na formação do aluno como um pensador e não um mero acumulador de informações, o processo da avaliação deixará de ser um desafio, isto é, deixará de ser um momento de acerto de contas para ser um momento privilegiado de aprendizagem. O aluno deixará de ser pressionado para “provar” que sabe (saber aqui entendido como o resultado de ter feito muitos exercícios e responder corretamente outros semelhantes nas provas) e será estimulado a utilizar o momento da avaliação como um momento particularmente favorável a novas aprendizagens, pois nele o aluno dedicará seu esforço e sua concentração para mostrar o que aprendeu e dará significados a outros aspectos que, talvez não tivessem ficado claros nos momentos de estudo, mas que os desafios da avaliação permitam alcançar.

  1. Quais as diferenças (conceituais e práticas) entre “avaliação da aprendizagem” e os “exames escolares”? 

Quem desenvolve com maestria a “pedagogia dos exames” é o escritor e professor Cipriano Luckesi. Ao abordar o tema ele mostra que os exames escolares resultam de um modelo focado no produto e não nos processos de aprendizagem. Essa pedagogia é o grande desafio para alunos, professores e pais. Para os alunos o desafio é passar nos exames, e se possível, para alguns, esquecer o que aprendeu. Os momentos de exame passam a ser momentos que chamo de “acerto de contas”. Na cabeça do aluno aparece uma sentença de morte: “Não estudou, não fez os deveres, bagunçou a aula, pois agora você verá o resultado”. Por isso, como escreveu Paulo Ronca, as provas (exames) passam a ser o centro da vida dos alunos: “Só se estuda se tiver prova; só se estuda para a prova; só se estuda se cair na prova; só se estuda o que cair na prova”. Por parte do professor, a avaliação no modelo da pedagogia dos exames, passa a ser um desafio e muitas vezes uma frustração: preparei minhas aulas, pensa o professor, ministrei-as com todo carinho e agora, na hora da avaliação, tantos alunos mostram que não aprenderam. Mesmo que alguém diga: “o problema é deles; fiz minha parte; se não quiseram aprender, azar é deles; eu vou em frente e eles que tratem de se recuperar e me acompanhar; considero matéria dada”, é frustrante para um professor o fracasso dos alunos no momento da avaliação.  Embora este pensamento possa parecer absurdo, ele ainda está presente em muitos que adotam o modelo da pedagogia dos exames. Finalmente, para os pais, esse modelo é um desafio. “Filho, amanhã tem prova, larga tudo e vai estudar”; “Filha, quanto você tirou na prova?” (Não se pergunta o que e quanto aprendeu, mas quanto tirou na prova.) “Sabe amiga, estou preocupada, pois programamos a viagem e meu filho tem exames finais e se não alcançar a nota (sempre a nota!), teremos que deixar de ir”. 

No modelo da avaliação da aprendizagem o foco não está no produto: notas, acertos, erros, classificação, médias, desvio padrão, como na pedagogia dos exames que acabamos de descrever. Nesta importam os produtos também, mas o foco principal está nos processos que levaram o aluno a aprender. A busca é promover as condições que favoreçam a aprendizagem significativa dos alunos, isto é, que eles aprendam desenvolvendo sua estrutura cognitiva como uma rede de conceitos e relações que se movam interativa e dinamicamente em contínuos e constantes aprendizados. Para o aluno o desafio passa a ser a compreensão do que aprende, para o professor o desafio será de avaliar o desenvolvimento do aluno numa dimensão mais ampla do que apenas a acumulação de informações e para os pais, o desafio é acompanhar o desenvolvimento dos filhos no sentido de preparação para a vida com o desenvolvimento da cidadania, ou seja, para enfrentar com competência tanto a vida profissional quanto a familiar e a social.

  1. Como o gestor educacional pode acompanhar estrategicamente o processo e os resultados da avaliação? 

Em primeiro lugar o gestor precisará ter clareza a respeito do modelo expresso no Projeto Político Pedagógico de sua escola. A partir daí elaborar, junto com toda a comunidade educativa que compartilha deste projeto, estratégias para fazer a escola idealizada no PPP se tornar uma realidade. Para isto, deverá acreditar nele e dele se apropriar, procurando ajudar a comunidade educativa na plena realização da proposta pedagógica. Dentro do modelo adotado, cabe ao gestor acompanhar os processos e ações que respondam as questões fundamentais: como o aluno aprende, como se deve ensinar e como avaliar a aprendizagem? Com estas respostas em mãos, uma das funções essenciais do gestor é desenvolver e prezar pelos parâmetros de qualidade pretendidos para a escola. No caso específico da avaliação, o papel do gestor é  desenvolver e sistematizar instrumentos que possam acompanhar o processo de avaliação. Por exemplo, o gestor pode acompanhar os resultados dos rendimentos dos alunos comparando-os uns com os outros; pode também criar um sistema de padronização dos instrumentos de avaliação; pode contratar um profissional que leia criticamente as provas elaboradas e discuta com os professores tanto o conteúdo cobrado quanto a forma dos instrumentos utilizados. Neste caso, a criatividade, a contextualização e a linguagem deverão estar no foco da análise. Outra forma de agir do gestor é a elaboração de portfólios para acompanhar o desenvolvimento dos alunos.